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“Forma abstrata e dimensão material do Estado em Marx”. Revista Urutágua

Revista Urutágua –

Revista Acadêmica Multidisciplinar. Universidade Estadual de Maringá (UEM). N. 34, junho-novembro, Ano 2016. ISSN 1519.6178. 127

http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Urutagua/article/view/34313

Forma abstrata e dimensão material do Estado em Marx

Abstract form and material dimension of the state in Marx

 Gianni Fresu[1]

 

Resumo: Este artigo tem o objetivo de explicar o processo que leva Marx, a partir da Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, a elaborar a ideia sobre a origem historicamente determinada do Estado e da Sociedade Civil, como consequência de específicas relações sociais de produção. Nesse percurso, que parte dos temas filosóficos, o estudo da economia política se torna um momento fundamental de desenvolvimento gnosiológico e conceitual, para o qual o encontro com Engels foi central, pois infundiu em Marx o interesse para a economia política e a história econômica. Para o esclarecimento da natureza das relações de produção sobre as quais se levanta a sociedade civil e o Estado, assume uma importância absoluta a elaboração da tese sobre a “falsa consciência”, que, ampliando o conhecimento das formas de governo e de direção por parte das classes dirigentes, contribui também para a ideia gramsciana da hegemonia.

 

Palavras-chave: Marx, Estado, hegemonia.

 

Abstract: The objective of this studie is explain the process that lead Marx from his Critique of Hegel´s Philosophy of Right to elaborate the idea of the historically determined genesis of the State and Civil Society as consequences of especific social relations of production. In this track, since philosophical themes, the study of the political economy became a fundamental moment of his gnosiologic and conceptual development, on wich the meeting with Engels was central, because infused in Marx the interest to the political economy and economic history. To clarify the nature of the relations of production on which rises the Civil Society and the State, the preparation of the thesis about the “false consciousness” assume an absolut importance, enlarging the knowledge of government forms and leading by managing classes and contribute to Gramsci´s idea of hegemony.

 

Keywords: Marx, State, hegemony.

 

O tema da sociedade civil e do Estado atravessa toda a investigação teórica de Marx, e também de Engels, a partir da afirmação sobre a natureza historicamente determinada dessas instituições alicerçadas nas relações de propriedade e, consequentemente, das formas da divisão do trabalho.

Podemos considerar, nesse sentido, o ano de 1846 e a Ideologia Alemã como um ponto de chegada que marca a sua maturidade, depois de um processo de desenvolvimento começado no início daquela década. Nessa obra fundamental, encontramos a primeira exposição sistemática da concepção materialista da história. Um processo evolutivo que avança a partir da crítica da filosofia de Hegel e da descoberta do materialismo filosófico de Feuerbach, materializado, em particular, primeiros trabalhos Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e a Questão Judaica, realizados por Marx em 1843.

Marx começou a sua leitura crítica das linhas da filosofia do direito do Hegel em 1843 com a tarefa de esclarecer a natureza das suas dúvidas aplicando ao sistema do filósofo alemão o método materialista de Feuerbach (este trabalho inacabado ficou desconhecido até 1927, sendo que a sua descoberta foi mérito das pesquisas do fundador do Institudo Marx-Engels de Moscou, também protagonista da publicação dos inéditos Manuscritos Econômicos e Filosóficos). A partir desse trabalho, o jovem Marx se encaminha para um mais amplo trabalho crítico à obra global de Hegel, apontando as contradições do eixo fundamental no seu sistema filosófico, apesar do valor reconhecido à complexidade dele. Podemos dizer que a motivação polêmica estabelece, em Marx, o ponto inicial por meio do qual a dimensão negativa do seu discurso se torna positiva. A crítica ontológica é a premissa para a sua visão deontológica: foi assim para os temas filosóficos e também para a crítica da economia política.

A Ideologia Alemã representa, nesse sentido, o ponto de virada, onde a crítica filosófica inicial se torna construção positiva, tanto como método de investigação da realidade (o materialismo histórico), quanto da visão política alternativa ao estado das coisas existentes (o comunismo). Aqui, Marx e Engels escreveram que o materialismo histórico não se encaminha a partir do que os homens dizem, se imaginam e se representam, para só depois chegar aos homens vivos. Além da recusa da interpretação idealista do método dialético, eles polemizam também com a visão abstrata de um materialismo primordial, que fala do homem em geral sem investigar as conexões entre esse sujeito histórico e as formas concretas das suas formações econômico-sociais. O materialismo histórico opera a partir dos homens realmente existentes e do processo real da sua vida, porque só assim se explica também o desenvolvimento dos reflexos e dos ecos ideológicos desse processo de vida. O materialismo histórico parte de pressupostos reais e deles não se afasta nunca. Os seus pressupostos são os homens concretos, não isolados e fixados fantasticamente, mas no processo real de seu desenvolvimento. Quando é representado este processo da vida ativa, a história deixa de ser uma mera colhida de fatos mortos – como acontece com os empiristas, que são mesmo abstratos – ou uma ação imaginária de sujeitos imaginários – como acontece com os idealistas.

Nessa leitura, encontramos provavelmente o juízo mais polêmico sobre essa filosofia. Todavia, é sempre preciso lembrar que, nos anos da maturidade, Marx e Engels resgatam o papel de Hegel entre as fontes do próprio pensamento em polêmica com o desenvolvimento determinista e positivista do movimento socialista. Assim, no posfácio à segunda edição d´O Capital, Marx, embora evocando a crítica ao “lado mistificador da dialética hegeliana” conduzida trinta anos antes, precisou afastar-se de marxistas deterministas que tratavam Hegel como um “cachorro morto”. Por isso, admitiu ter utilizado explicitamente nesta obra a linguagem de Hegel, declarando-se abertamente discípulo do grande pensador alemão:

 

“A mistificação que a dialética sofre nas mãos de Hegel não impede em absoluto que ele tenha sido o primeiro a expor, de modo amplo e consciente, suas formas gerais de movimento. […] É preciso desvirá-la, a fim de descobrir o cerne racional dentro do invólucro místico. Em sua forma mistificada, a dialética esteve em moda na Alemanha porque parecia glorificar o existente. Em sua configuração racional, ela constitui um escândalo e um horror para a burguesia e seus porta-vozes doutrinários, uma vez que, na intelecção positiva do existente, inclui, ao mesmo tempo, a intelecção de sua negação, de seu necessário perecimento”[2].

 

Voltando à leitura juvenil sobre Hegel, Marx critica a interpretação da dialética que localiza o seu eixo no verdadeiro como inteiro e no absoluto como sujeito, articulando os três momentos dela só para afirmar o papel decisivo da Ideia. Uma dialética mistificada, fundada sobre o conceito, e um movimento abstrato por meio da mediação entre finito e infinito. Sobre o plano político, Marx acusava a filosofia hegeliana de desembocar na simples justificação ou aceitação da realidade existente, na qual é a Ideia que geraria a realidade. A polêmica de Marx não se limitava à visão organicista do Estado em Hegel, com as suas mediações entres estados sociais e corporações. Ele contestava também a evolução constitucional e liberal e os princípios simplesmente formais da igualdade perante a lei, um princípio que escondia a domesticação e a consolidação da realidade.

Da representação hegeliana do Estado moderno, Marx contestava a mistificação que ficava escondida pelo equilíbrio imaginário entre interesse particular e interesse geral, uma visão abstrata que prescindia da questão social, ou seja, das concretas relações de propriedade. Nesse sentido, não pode ser o Estado a criar a sociedade civil, mas é o exato contrário: o Estado vai edificar-se a partir da propriedade privada, sendo sempre uma expressão direta dela. Já nesse trabalho, objetivando inverter os termos da dialética hegeliana, onde o sujeito é o real e o predicado é o pensamento, encontramos um primeiro eixo essencial para compreender as formas complexas da auto-representação burguesa do real, depois investigadas na Ideologia Alemã.

Para o materialismo histórico, o protagonista da história é o homem e a sua atividade concreta, por meio de uma relação dialética entro o sujeito (o homem na história) e o objeto (o mundo material), onde os homens determinam uma progressiva transformação do mundo material perseguindo, ou buscando, os próprios fins e criando novas necessidades. Como sabemos, essa é a base da tese desenvolvida no Manifesto do Partido Comunista: no processo de mudança histórica entre os diferentes modos de produções, o verdadeiro motor está sempre no insanável conflito entre uma classe dominante e uma dominada. Cada formação econômico-social é historicamente determinada e, como consequência dessa luta entre as classes, o Estado é simplesmente o reflexo das relações de produção, uma superestrutura ao serviço dos interesses dos donos dos meios de produção. Para usar diretamente as palavras do Manifesto: “o executivo no Estado moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”[3].

Mas na superestrutura ficam também os sistemas das ideias, a religião, a filosofia, a ideologia. A relação entre realidade material e o sistema das ideias se daria tendencialmente no movimento da primeira para o segundo, embora, para Marx e Engels, entre os dois termos a relação não seja unilateral (como no determinismo do materialismo vulgar), mas de reciprocidade. Nesse sentido, o interesse geral representado pelo Estado como entidade acima das partes, e do governo como instrumento de mediação entre sociedade civil e Estado seriam mentiras tanto da filosofia hegeliana como da ideologia liberal. Podemos afirmar que, já nessa leitura crítica juvenil, Marx começa a aproximar-se aos elementos essenciais do seu pensamento sobre as representações mistificadas da relação entre Estado e sociedade civil, entre o público e o privado.

Já nesse escrito, a completa emancipação do homem encontra a sua realização através da abolição da propriedade privada e a superação do seu Estado correspondente. Só a partir dessa mudança orgânica da sociedade podia acontecer a real autodeterminação, tornando real e não fictícia a unidade do universal com o particular. Além da ruptura com a natureza metafísica do sistema hegeliano e com cada outra concepção puramente especulativa da filosofia, esse trabalho representa um ponto inicial, ainda fragmentário e inacabado, da crítica marxiana à filosofia hegeliana. Aqui é possível localizar a premissa da teoria sobre a “falsa consciência” depois melhor esclarecida na Ideologia Alemã, na qual a representação da essência e da natureza universal do Estado seriam uma mistificação das reais relações sociais que o fundamentam, isto é, uma operação que, através de uma dialética formal e abstrata, transforma e legitima a realidade concreta numa dimensão conceitual correspondente à verdade, até idealizar o Estado prussiano. Desmistificar essas representações e mostrar a concreta realidade econômico-social que se esconde atrás dela é uma tarefa que Marx assume nessa fase e que marcará todo o seu percurso político-intelectual até a morte. Quase programaticamente, Marx escreve: “a tarefa da história, depois de desaparecido o além da verdade, é estabelecer a verdade do aquém. […] A crítica do céu transforma-se, assim, na crítica da terra, a crítica da religião na crítica do direito, a crítica da teologia na crítica da política”[4].

Aqui, torna-se de central importância a relação orgânica entre sociedade civil e Estado, à luz das transformações produzidas pelos acontecimentos conexos à Revolução francesa e a mudanças nas relações econômico-sociais. A apresentação orgânica da sociedade, com articulação entre ordens, estados, camadas e classes, como mediação da relação entre a sociedade civil e o Estado, podia ter um fundamento na velha sociedade feudal, onde esses níveis tinham um papel e existia uma relação funcional entre eles. Todavia, a sociedade contemporânea, depois da Revolução francesa e com o desenvolvimento das relações sociais burguesas, vive a transformação da velha dimensão corporativa até uma nova realidade onde existem, sem mais nenhum filtro, classes com interesses individuais e privados contrapostos em conflito. Hegel procura conciliar essa nova realidade com a antiga ordem da sociedade já em curso de superação. O status social corporativo conexo à atividade desenrolada na sociedade civil desaparece, desarticulando a velha sociedade feudal e a realidade jurídico-política que sobre ela se levantava. Na Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, Marx escreve que a distinção entre sociedade civil e Estado é expressão do individualismo burguês que caracteriza a primeira, onde as relações e as atividades simplesmente cumprem e acompanham os interesses privados.

O percurso da formação de Marx e Engels se encaminha por dois pontos de partida diferentes que chegam, todavia, à mesma visão geral, encontrando um acordo total sobre dois elementos fundamentais da visão deles: 1) localizar no Estado burguês uma cobertura da realidade social concreta, que se exprime no âmbito da economia com todas as suas atividades produtivas, relações sociais, modalidades de produção e distribuição da riqueza; 2) buscar no proletariado a força social destinada a assumir o papel geral de “classe universal” na transformação da sociedade, até aquele momento desenvolvido pela burguesia.

Marx desenvolve as suas primeiras reflexões partindo do âmbito filosófico, com a Crítica da Filosofia do Direito de Hegel e a Questão Judaica. Engels parte do estudo da formação econômico-social inglesa e da economia política clássica com seu Esboço de uma Crítica da Economia Política e A situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Podemos dizer que a impostação de um influenciou muito à do outro. A descoberta do materialismo filosófico de Feuerbach representou uma virada essencial para os dois, assim como depois ficou fundamental a emancipação da sua influência e a superação da visão contemplativa daquele materialismo. Em muitos trabalhos sobre o autor d´O Capital, Engels é apresentado como um “materialista metafísico” que teria traído o pensamento de Marx com contaminações positivistas, ou – como afirmou o filósofo Lucio Colletti – teria desviado o sentido da crítica de Marx ao hegelianismo introduzindo forçadamente a dialética e apresentando o marxismo como simples desenvolvimento invertido da filosofia de Hegel. Na realidade, além dos erros conceituais, essa tese é negada pela natureza mesma da relação entre os dois teóricos do materialismo histórico. Marx sempre conhecia as pesquisas de Engels e entre eles existia quase uma divisão do trabalho correspondente às diferentes atitudes dos dois. Contrariamente à vulgata que localiza no Engels o primeiro profanador da obra de Marx, a relação entre eles sempre foi simbiótica. A amizade deles tem origem num encontro em Paris no ano de 1844, o sodalício entre eles começou com a realização das duas primeiras obras em comum: A Sagrada Família e sobretudo aquela mais importante na definição do Materialismo histórico, a Ideologia Alemã, escritas ambas em Bruxelas entre 1845 e 1847. O encontro com Engels (sobre o plano teórico, não só sobre o humano) foi fundamental para Marx, pois foi o primeiro a infundir no segundo o interesse para a economia política e para a história econômica.

Entre 1842 e 1844, quando foi à Inglaterra para trabalhar na filial inglesa da empresa do pai, Engels conheceu diretamente as dinâmicas do desenvolvimento da sociedade capitalista. Começou a estudar a economia política clássica e sintetizou as suas reflexões críticas sobre as características daquela formação econômico-social no ensaio Esboço de uma Crítica da Economia Política que impressionou muito favoravelmente a Marx. A confirmação desse interesse para as investigações econômicas de Engels se encontra nas notas dos Manuscritos Econômico-Filosóficos, onde é possível localizar várias referências aos escritos de Engels. Podemos afirmar que até aquele momento as reflexões de Marx ficaram num âmbito essencialmente filosófico e político. Só agora Marx começa um estudo rigoroso da econômica política clássica, aprofundando a obra de Smith e Ricardo, chegando nessa maneira à definição essencial do materialismo histórico. Um estudioso como David McLellan[5], para fortalecer a importância dessa afirmação, chega (talvez exagerando) a definir os escritos antes dessa viragem como estudos pré-marxistas, no sentido que neles ainda não encontramos nenhuma interpretação da história em termos de classes, modos de produção, análise da relação entre capital e trabalho, temas centrais nos escritos da maturidade como O Capital, Para uma crítica da economia política e Linhas fundamentais de economia política, mais conhecidos como Grundrisse.

Segundo Althusser, Marx chegou à definição do materialismo histórico só depois da sua “revolução epistemológica”, alcançada com a superação da “filosofia humanista”, que localizava no homem o princípio teórico fundamental da sua concepção juvenil do mundo. Uma revolução consequente a uma evolução teórica, na qual a descoberta da economia política tem um papel central. Marx realizou uma ruptura radical com toda a “antropologia do humanismo filosófico”6 e com a pretensão de fundar nessa visão a própria concepção histórica e política. Portanto, o novo quadro conceitual da visão histórica de Marx seria alicerçado na crítica radical de qualquer pretensão teórico-ideológica do humanismo[6].

Toda a filosofia idealista anterior e as suas categorias (sujeito, empirismo, essência ideal) foram recusadas por meio dessa ruptura, superando a ideia do indivíduo-sujeito que prevalecia tanto na economia política clássica quanto na história, desenvolvidas ao lado do mito do homo economicus. O desenvolvimento de novos conceitos (forças produtivas e relações de produções) é, então, a essencialidade do materialismo histórico, a premissa da superação do idealismo e também do materialismo filosófico anterior. O anti-humanismo alcançado por Marx em 1845 seria a premissa para a compreensão do mundo humano e a sua prática transformadora[7].

Portanto, o materialismo histórico teria como premissa fundamental o reconhecimento das funções ideológicas do humanismo, ou seja, do seu ser, parte do sistema das representações, da existência e da função histórica da sociedade burguesa, das formas ideológicas, expressões orgânicas da atividade econômica e de sua organização política. A ideologia constata a relação vivida dos homens com o mundo, determinando uma concepção do mesmo, imposta ao ambiente externo. Como escreveu Gramsci nos Cadernos, em uma sociedade estruturada em classes a ideologia dominante, que obviamente coincide com a visão do mundo da classe dominante, assume duas funções: seja em direção às classes dominadas, seja na construção da classe dominante e do seu fortalecimento. Assim, segundo Althusser, na sua luta contra a sociedade feudal, a ideologia humanista da igualdade, da liberdade e da razão é elevada pelos interesses da burguesia à dimensão universal que assegura à burguesia a direção das classes dominadas, assumindo o papel de classe geral, recrutando e formando “aqueles mesmos homens que livrou só para melhor explorá-los”. Nesse sentido, a ideologia burguesa da liberdade, que afirma a igualdade e a liberdade dos homens, é funcional ao direito da economia política capitalística e serve à classe dominadora não só para comandar os explorados, mas também para constituir-se em classe dominante[8].

Com os Manuscritos Econômico-Filosóficos, Marx procurou mesmo mergulhar-se nos estudos econômicos aprofundando a obra de Adam Smith e David Ricardo. A estrutura se articula em três partes principais: a crítica à economia política clássica, uma descrição do comunismo e uma crítica da dialética hegeliana. Embora reconheça o mérito de Feuerbach em ter desvelado a natureza da filosofia hegeliana como uma “teologia racionalizada”, o juízo reservado a Hegel não é de liquidação. Pelo contrário, o tributo ao filósofo é ainda maior. Marx escreve que a importância da Fenomenologia do Espírito fica no seu resultado final, ou seja, na dialética da negatividade como princípio motor e gerador. Hegel compreende o processo de autoprodução do homem, a essência do homem, concebendo o homem real como resultado do seu próprio trabalho. Nessa obra, Marx afirma a necessidade de superar a natureza contemplativa da filosofia, daí a exigência de uma conexão dessa disciplina com a economia e o trabalho, a atividade que torna possível a existência humana. O estudo da economia política se revelou fundamental não só para compreender a formação econômico-social do capitalismo e as conexões entre alienação e divisão do trabalho, não encontráveis nos trabalhos de Marx precedentes ao Manuscritos. Esse aprofundamento fortaleceu as reflexões sobre Estado e Sociedade Civil que antes de 1844 ficaram essencialmente no âmbito da crítica filosófica.

Nesse sentido, central é a obra com a qual Marx e Engels decidiram prestar contas com a sua formação filosófica: a Ideologia Alemã, de 1846. Marx e Engels substituem no processo dialético da história o desenvolvimento das ideias pelo homem e suas formas concretas de produção, superando ao mesmo tempo tanto o idealismo hegeliano quanto as formas passivas ou contemplativas do materialismo filosófico de Feuerbach. Como sabemos, na formação dos dois autores, a obra de Feuerbach, particularmente A Essência do Cristianismo editada em 1841, assumiu um papel importante, por isso encontramos várias referências nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, na Ideologia Alemã, nas Teses sobre Feuerbach e no escrito antideterminista de Engels Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã.

Nas suas Teses, Marx reconhece a contribuição de Feuerbach na correta localização dos termos da dialética entre realidade e pensamento, mas também o demérito de ter produzido uma visão a-histórica e puramente contemplativa (para Marx a filosofia precisa não só interpretar o mundo, mas deve mudá-lo), pois ele não se mergulhou na realidade dos processos históricos, criou um homem abstrato, porque não investigou a sua atividade concreta para transformar o mundo e não compreendeu que também o sentimento religioso seria um produto social, resultado da sociedade onde nasceu. Em outras palavras, o materialismo de Feuerbach não só foi incapaz de historicizar o materialismo, mas não compreendeu a interação, a reciprocidade, entre os termos da dialética e que os processos revolucionários têm entre os seus fundamentos não só os elementos materiais, mas também as ações conscientes e a vontade dos homens no processo de construção da história. Trata-se de uma passagem fundamental para a definição da doutrina deles, pois esclarece a relação que deve subsistir entre teoria e práxis. Não casualmente, nos Cadernos do Cárcere, Gramsci utiliza a definição de Antonio Labriola – “filosofia da práxis” – para referir-se ao materialismo histórico, explicando a sua visão da realidade social como totalidade e a natureza unitária da relação entre pensamento e ação.

Como escreveu Pierre Villar[9], na leitura histórica de Marx, o primado da produção não transforma esse termo numa chave mágica, pois, a produção precisa de ser pensada também em função da população e das relações dos homens entre eles num processo ativo de vida, onde a interação é contínua. O processo histórico surge do cruzamento entre esses elementos e é a compreensão deles que a torna inteligível, assim, “a história deixa de ser uma coleção de fatos mortos”. O materialismo histórico localiza como verdadeiro protagonista da história o homem na sua atividade concreta, através de uma relação dialética entre sujeito (o homem na sociedade) e o objeto (o mundo material), onde os homens determinam uma progressiva transformação do mundo material, mudando constantemente os seus fins e gerando novas necessidades. Portanto, o desenvolvimento da sociedade e a evolução da história são o resultado de uma interação permanente entre o homem e a realidade circundante: “o primeiro ato histórico dos indivíduos, através do qual se distinguiram dos animais, não é que eles pensam, mas que eles começam a produzir os seus meios de subsistência”. A produção seria a dinâmica e a origem criadora de novas necessidades e capacidades à base da sociedade, sendo a primeira ação histórica, premissa de todas as outras atividades. O homem não produz só bens, mas ideias e representações da realidade:

 

“A libertação é um ato histórico e não um ato do pensamento, é ocasionada por condições históricas, pelas condições da indústria, do comércio, da agricultura, do intercâmbio (…) na realidade, e para o materialista prático, isto é, para o comunista, trata-se de revolucionar o mundo, de enfrentar e de transformar praticamente o estado de coisas por ele encontrado (…) A concepção feuerbachiana do mundo sensível limita-se, por um lado, a mera contemplação deste último e, por outro lado, à mera sensação; ele diz “o homem” em vez do “homens históricos reais”. Na contemplação do mundo sensível ele se choca necessariamente com coisas que contradizem sua consciência e seu sentimento, que perturbam a harmonia, por ele pressuposta, de toda as partes do mundo sensível e sobretudo do homem com a natureza. Para remover essas coisas, ele tem, portanto, que buscar refúgio numa dupla contemplação: uma contemplação profana, que capta somente o que é palpável, e uma contemplação mais elevada, filosófica, que capta a “verdadeira essência” das coisas. Ele não vê como o mundo sensível que o rodeia não é uma coisa dada imediatamente por toda a eternidade e sempre igual a si mesma, mas o produto da história e do estado de coisas da sociedade, e isso precisamente no sentido de que um produto histórico, o resultado da atividade de toda uma série de gerações, que cada uma delas sobre os ombros da precedente, desenvolveram sua indústria e seu comércio e modificaram sua ordem social de acordo com as necessidades alteradas”[10]

 

Marx e Engels investigam a estrita relação entre teoria e prática, o nexo que junta as condições materiais de vida do indivíduo e o seu pensamento fazendo derivar o segundo das primeiras. Segundo Marx, na filosofia clássica alemã a relação entre fatos materiais e as ideias é representada invertida, como no interior de uma câmara obscura, como um homem que caminha sobre a cabeça. Precisamos inverter os termos, “subindo da terra ao céu” e não vice-versa, superando uma visão do homem como auto-representação para chegar à mulheres e homens reais. Tudo o sistema das ideias – das representações e da consciência – é estritamente entrelaçado à atividade material dos homens: “não é a consciência que determina o ser social dos homens, mas é, pelo contrário, o ser social deles que determina a consciência”.

Nessa operação que reverte a realidade e as relações entre causas e efeitos podemos reconhecer o fundamento ideológico do pensamento que afirma a sua autonomia e independência. Marx e Engels descrevem a ideologia como “falsa consciência”, ou seja, uma tendência a manipular e mistificar a realidade, apresentando os interesses pormenores de uma classe como interesse geral da sociedade e o Estado como a garantia universal desse interesse geral. Um conhecimento abstrato, formal, que tem a tarefa de legitimar o status quo social escondendo a realidade das relações sociais que o determinam. Isso seria o resultado necessário daquele processo de alienação, separação e cisão do homem da sua atividade material e, portanto, da realidade social. Na Ideologia Alemã esta relação é investigada com uma perspectiva filosófica muito eficaz que esclarece melhor que outra palavra o significado desta categoria do materialismo histórico:

 

“Cada classe que tome o poder de outra que tem dominado antes é obrigada, para alcançar a sua tarefa, a representar o seu como interesse comum de todos os membros da sociedade, ou seja, para nos exprimir em forma idealista, a dar às próprias ideias a forma da universalidade a representá-las como as únicas racionais e universalmente válidas”[11].

 

A importância da ideologia como fundamental instrumento de governo é um dos temas que Gramsci mais desenvolveu para elaborar a sua concepção do Estado ampliado e das articulações hegemônicas do poder, além da simples dominação. Como ele escreveu, na “filosofia da práxis”, as ideologias não têm nada de arbitrário, mas são instrumentos de direção política:

 

“São fatos históricos reais, que precisamos combater e desvelar na sua natureza de instrumentos de domínio, não por razões de moralidade, mas para razões de luta política: para tornar intelectualmente independentes os governados dos governantes, para destruir uma hegemonia e criar outra, como momento necessário do derramamento da práxis. […] Para a filosofia da práxis as superestruturas são uma realidade objetiva e operante”[12].

 

É no terreno das ideologias, das superestruturas, que o homem toma consciência do seu ser social e acontece a passagem da “classe em si à classe para si”. Portanto, no materialismo histórico existe um nexo vital entre economia e ideologias, pelo qual se pode falar de movimento tendencial do primeiro até o segundo, mas numa condição de reciprocidade entre os dois termos. As dinâmicas ideológicas e culturais são, então, fundamentais para compreender a ordem do poder das classes dominantes e também para alcançar a libertação dos subalternos através da descoberta e da superação da rígida divisão social entre dominantes e dominados.

Sendo considerada a base da sociedade, na concepção da história dos dois teóricos alemães, a economia se torna uma disciplina fundamental para estudar aquela atividade criadora na qual se situa o desenvolvimento do processo histórico. O princípio da divisão do trabalho condiciona e determina o processo de desenvolvimento econômico e também a separação entre trabalho material (ou manual) e trabalho espiritual (ou intelectual), questão novamente central na obra de Antonio Gramsci, que tem uma correspondência na divisão entre cidade e campo.

O problema da fratura entre trabalho material e intelectual pode ser também interpretado à luz da distinção entre dirigentes e dirigidos: com a especialização da divisão do trabalho entre cidade e campo surge mesmo o problema da administração da vida na comunidade, que leva à divisão entre duas grandes classes. A distinção entre cidade e campo, segundo Marx e Engels, corresponde àquela entre capital e propriedade fundiária, ou seja, à formação e ao desenvolvimento do capital como entidade distinta e independente da propriedade fundiária. A formação do capital é conexa à emancipação da cidade e nela das atividades de troca comercial, que levaram à interdependência das cidades além dos confins regionais e nacionais. Essa é a premissa histórica do desenvolvimento da produção das manufaturas que por sua vez levou ao esvaziamento progressivo da velha sociedade corporativa que limitava o sistema produtivo e de troca. Um desenvolvimento (acontecido entre 1400 e 1600) estritamente ligado às grandes descobertas geográficas e, por consequência, da revolução no comércio mundial produzida pela afirmação do colonialismo. Esta etapa é definida como o pressuposto do terceiro período da propriedade privada, aquele da revolução industrial, com a qual, por efeito da interdependência produtiva e comercial entre as nações, começa a história mundial na qual todas as relações têm como fim as exigências da produção industrial. Mas o “terceiro período da propriedade privada”, a formação econômico-social capitalista, revelou as suas íntimas contradições entre produção e formas de troca (o desenvolvimento unilateral das forças produtivas e o desemprego de massa). A livre concorrência gera assim crise de superprodução com queda dos salários, inflação, concentração dos capitais, destruição da riqueza e a miséria das grandes massas populares, levando a uma sempre maior contraposição entre capital e trabalho. A divisão entre capital e trabalho determina a separação das forças produtivas dos indivíduos que as criam com a própria atividade, transformando-as em um poder alheio e contraposto a eles. Mas o processo gera também uma classe que é induzida, pelas suas condições materiais de existência, a assumir, dialeticamente, um papel revolucionário.

Na leitura do materialismo histórico, também na Ideologia Alemã, o Estado surge exatamente das contradições geradas da divisão do trabalho e da afirmação da propriedade privada, que leva ao conflito entre o interesse individual e o geral. Na aparência, o Estado assume uma fisionomia independente e separada dos interesses particulares, como síntese de uma ilusória comunidade na qual as relações são já determinadas pela divisão em classes e do domínio de uma sobre as outras. As lutas políticas, ou melhor, ideológicas, são “formas ilusórias nas quais são combatidas as reais lutas das diversas classes entre eles”. Então, o Estado precisa ser considerado na sua dimensão material, não na sua representação abstrata, como expressão direta daquelas relações sociais de produção alicerçadas no domínio de uma classe contra as outras.

O método dialético é utilizado também n´O Capital para desmascarar a “falsa consciência” da tradição filosófica e econômico-política do pensamento liberal. A representação mistificada da realidade, que objetiva sua conservação, era localizável em primeiro lugar nas mesmas leis da economia, com as suas modalidades de produção, exploração e apropriação da riqueza produzida ocultada pela ciência oficial do mundo liberal. N´O Capital, encontramos assim três pontos fundamentais da ideologia burguesa:

  1. Apresentar a economia política como lei natural inscrita na mesma evolução da espécie humana, ocultando, então, a natureza histórica e socialmente determinada do capitalismo.
  2. Representar a origem do capitalismo, a famosa acumulação originária, como um processo evolutivo natural onde reina o idílio social, enquanto, segundo Marx, foi uma expropriação violenta, uma história “escrita nos anais da humanidade com trechos de sangue e fogo”.
  3. Esconder as modalidades de reprodução do capital e a apropriação privada dos lucros produzidos socialmente, portanto, o mistério bem escondido das leis do mais-valor, que completam o quadro segurando o sistema de domínio e exploração

 

Sobre a origem historicamente determinada da sociedade civil e do Estado, como resultado de um processo que tem o seu fundamento nas relações de propriedade e na divisão de trabalho, é importante lembrar A origem da Família da Sociedade Civil e do Estado. Embora seja publicado por Engels, esse trabalho foi o fruto das discussões com Marx sobre a obra Ancient Society, do estudioso de etnologia Lewis Morgan. Como ele mesmo explicou no prefácio da primeira edição, para a realização da Origem da Família, da Propriedade e do Estado, Engels utilizou as notas que Marx elaborou sem ter a possibilidade de transformá-las em livro. Já no prefácio, Engels esclarece a natureza da concepção materialista, simplesmente definida como “a produção e a reprodução da vida imediata”, que compreende seja a produção dos bens necessários à subsistência, seja à reprodução da espécie mesma, que condicionam as suas instituições sociais. Historicamente, quanto menos o trabalho estivesse desenvolvido, tanto mais a produção da vida imediata e também a riqueza resultavam limitadas e a articulação da sociedade ficava dominada por vínculos de parentescos. O desenvolvimento do trabalho e da sua produtividade favoreceram a afirmação da propriedade privada e a troca que produziram a desigualdade econômica, com a possibilidade de explorar a força de trabalho dos outros, e também criaram as condições para o conflito entre os interesses das classes.

A propriedade privada, portanto, é uma instituição historicamente determinada que não tem nada de natural, mas é fruto de um processo onde divisão-especialização do trabalho e usurpação violenta se encontram. As relações baseadas na propriedade privada são assim o núcleo essencial a partir da qual se articula a sociedade e transforma a natureza mesma da instituição familiar. O Estado não seria uma entidade eterna que existe desde sempre, mas surge a partir de um determinado grau de desenvolvimento econômico correspondente à divisão em classes da sociedade. A chamada civilização, portanto, é o estágio de desenvolvimento da sociedade onde a divisão do trabalho, a troca entre indivíduos por ela gerado e a produção que abraça ambos chegam ao completo desenvolvimento, até revolucionar toda a sociedade precedente. O Estado surge das contradições inconciliáveis e dos conflitos da sociedade, com a função aparente de entidade acima das partes, que regulamenta as relações para garantir, com a ordem, a harmonia social e impedir a destruição da sociedade. Por meio do Estado e da força pública, as classes mais potentes sobre o plano econômico-social tornam dominantes também politicamente, conseguindo um novo instrumento para submeter e explorar a classe opressa:

“Como o Estado antigo foi em primeiro lugar o Estado dos donos dos escravos para manter submetidos os escravos, assim o Estado feudal foi o órgão da nobreza para manter submetidos os camponeses, e o Estado representativo moderno é o instrumento para a exploração do trabalho salariado por parte do capital[13].

14

15 Neste parágrafo , todas as aspas são do autor.

Ter desvelado a representação ilusória do Estado, como parte fundamental da ideologia burguesa e explicado como a ideologia mesma é um dos principais instrumentos de governo da classe dominante é essencial para a descoberta gramsciana da categoria da hegemonia. Na Ciência Política, Gramsci é universalmente reconhecido como o teórico da hegemonia por haver explicado a natureza multíplice do poder. Uma sociedade moderna avançada tem formas estratificadas de direção política articuladas em dois níveis: a “sociedade civil”, que corresponde à função da hegemonia exercitada da classe dominante sobre a sociedade inteira; a “sociedade política”, ou Estado, relativo ao domínio direto, às funções de comando e “governo jurídico”. A concepção comum de Estado é, segundo Gramsci, errada e parcial porque, em geral, se referencia neste segundo aspecto do domínio, sem se dar conta do aparelho privado da hegemonia, ou sociedade civil. Deste modo, se subestimam as funções políticas da cultura, das relações sociais e também econômicas, mas sobretudo o papel político dos intelectuais. Sociedade política e sociedade civil não são separadas e contrapostas, a segunda é uma função da primeira, a apoia e alimenta. Mesmo a ideia de “opinião pública” está conexa à de hegemonia política, como ponto de contato da dialética entre sociedade política e sociedade civil, entre força e consenso: “a opinião pública é o conteúdo político da vontade política”. Esta é uma função muito importante do domínio político, especialmente nas fases de “crise orgânica”. Por isso, a luta para o monopólio dos órgãos da opinião pública, através o controle de jornais, partidos e parlamento tem a finalidade de evitar uma divergência e uma divisão entre os dois níveis.

A unidade das classes dirigentes se desdobra por meio do Estado, tanto que podemos afirmar que a história deles coincide com aquela dos Estados, enquanto a dos grupos subalternos é uma “função desagregada e contínua”15 da história da sociedade civil e, por seu meio, da história dos Estados. Então, precisa Gramsci, esclarecendo novamente as multíplices articulações, isso não acontece só sobre o plano político das instituições: “a unidade fundamental, pela qual se concretiza, é o resultado das relações entre Estado ou sociedade política e sociedade civil”. Novamente, para concluir, o domínio de uma classe não se reduz ao controle monopolista das funções jurídicas e coercitivas da evidência institucional. Assim, comentando o livro de Daniel Halévy, Decadência da Liberdade, no Caderno 6, Gramsci escreve o quanto “o conceito comum de Estado seja unilateral e conduza para erros primários”, em virtude de reduzi-lo ao simples aparelho do domínio político sem compreender também “o aparelho privado de hegemonia e sociedade civil”. Uma leitura que leva Gramsci a sintetizar a essência do Estado na fórmula “ditadura + hegemonia”.

 

Considerações finais

 

Concluindo, podemos afirmar que nesse percurso intelectual, encaminhado por Marx e Engels e desenvolvido por Gramsci, fica a descoberta da natureza complexa do poder político e do Estado nas sociedades contemporâneas. Um desvelamento que localiza na função dos intelectuais, da cultura e dos órgãos de formação (manipulação) da opinião pública, os instrumentos fundamentais por meio do qual uma classe consegue ganhar força e proteger os seus equilíbrios passivos. Não por acaso, entre as causas que geraram o surgimento do fascismo, Gramsci localizou a centralidade da “crise de hegemonia” das velhas classes dirigentes liberais, escrevendo que quando uma classe perde o consenso e deixa de ser dirigente, limitando-se a ser dominante através do uso da força, significa que as grandes massas são destacadas das ideologias tradicionais e dos valores dos velhos partidos. Esta fratura entre representantes e representados leva, por consequência, ao reforço dos organismos relativamente independentes, não envolvidos pelas oscilações da opinião pública, como a burocracia militar e civil, o capitalismo financeiro e a igreja, e, ao mesmo tempo, à mobilização dos intelectuais e dos aparelhos privados da sociedade civil para reconstruir a hegemonia ameaçada. Conceitos incrivelmente atuais que, infelizmente, encontram provas concretas também no Brasil de hoje e nos ajudam a compreender melhor a realidade além das suas mistificações interessadas.

 

 

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[1] Doutor em Filosofia na Università di Urbino, Itália; Professor efetivo de filosofia politica na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Brasil.

[2] Karl Marx, O Capital, Editora Boitempo, São Paulo, 2013, p. 91.

[3] K. Marx, F. Engels, O Manifesto Comunista, Editora Boitempo, São Paulo, 1998, p. 42.

 

[4] Karl Marx, Crítica da Filosofia do Direito de Hegel – Introdução, Editora Boitempo, São Paulo, 2010, p. 146.

 

[5] D. McLellan, 133

[6] Louis Althusser, Marxismo e umanesimo, sul numero 2 di Critica Marxista del 1964, pag. 74.

[7] Louis Althusser, Umanesimo e stalinismo, De Donato Editore Bari 1973, pag. 74

[8] Marxismo e umanesimo, cit. pag. 81.

[9] Pierre Villar, Marx e la storia, in Storia del marxismo. Il marxismo ai tempi di marx, vol. 1, Einaudi, Torino, 1978.

[10] K. Marx, F. Engels, A ideologia alemã, Boitempo, São Paulo, 2007, pp. 29-30.

 

[11] K. Marx, F. Engels, L’ideologia tedesca, Editori Riuniti, Roma, 2000, pag. 37.

[12] Antonio Gramsci, Quaderni del carcere, Einaudi, Torino, 1975, pag. 1319.

 

[13] Karl Marx, Il capitale, Editori Riuniti, Roma, pag. 202

Professore di Filosofia politica presso la Universidade Federal de Uberlândia (MG/Brasil), Dottore di ricerca in filosofia Università degli studi di Urbino. Ricercatore Università di Cagliari.